Corinthians revê taça dos anos 1940 encontrada em depósito de recicláveis

Corinthians revê taça dos anos 1940 encontrada em depósito de recicláveis
Fábio Júnior/EPTV

Quase 80 anos depois, a mais de 300 quilômetros de distância, uma taça pertencente ao Corinthians por ter vencido um amistoso diante do Flamengo em 1944 foi encontrada em meio a materiais recicláveis no depósito do comerciante palmeirense Ademir Batista Duarte, em Taquaritinga (SP).

– Às vezes vem alguma coisa que é bom. Aí eu olhei e vi uma taça escrito “Corinthians x Flamengo” dentro do bag. Peguei a taça e falei para minha filha. “Você viu isso aqui?”. E ela falou: “Eu vi e ia separar”. Aí eu falei: “É uma relíquia" – disse.

E era. O troféu é a Taça Major Aviador Anysio Botelho, nome de um militar consagrado do exército, referente a dois jogos entre Alvinegros e Rubro-Negros no Pacaembu. A proposta era usar o valor da bilheteria das duas partidas para o Timão contratar o zagueiro Domingos da Guia, que estava no Flamengo.

À época, os duelos interestaduais não eram tão comuns e o evento foi tratado como um grande acontecimento para a sociedade. Dessa forma, com o Pacaembu lotado, o Timão conseguiu vencer os confrontos e pagar quase 300 mil cruzeiros pelo defensor, pai de Ademir da Guia, um dos maiores ídolos do rival Palmeiras, inclusive do pai do Ademir de Taquaritinga.

– Meu nome é Ademir porque meu pai gostava muito dele, somos todos palmeirenses. A taça do Corinthians veio cair no meu barracão, no barracão de um palmeirense.

Valor histórico

Ademir nunca desconfiou da veracidade da relíquia que tinha em mãos. No depósito dele, ao pesar, ele descobriu que a taça tem um quilo e meio, equivalente a R$ 30. Barato para quem chegou a receber oferta de R$ 5 mil pelo troféu.

– Um amigo corintiano ofereceu R$ 5 mil na taça, mas não fiquei balançado. Eu sou palmeirense fanático, mas o que importa é a história. Futebol acima de tudo.

Quem foi Domingos da Guia?

Domingos da Guia nasceu em novembro de 1912 e faleceu em maio de 2000. Natural do Rio de Janeiro, o zagueiro começou a carreira no Bangu e transferiu-se ao Vasco da Gama.

Passou, também, pelo Nacional-URU e Boca Juniors-ARG, sendo campeão nacional nos dois países, mas foi no Flamengo que se destacou entre as temporadas de 1936 e 1943, quando atuou em 223 partidas, ganhando três estaduais e sendo convocado para a Copa do Mundo de 1938.

No Rubro-Negro carioca ele chamou a atenção do Corinthians, clube que vestiu a camisa 116 vezes entre 1944 e 1948. Para o historiador do Timão, Fernando Wanner, o defensor foi um dos melhores da história.

– Domingos da Guia foi um dos maiores zagueiros de todos os tempos. Começou no Flamengo e o Corinthians, através da sua mística, da sua administração, trouxe ele para jogar no Parque São Jorge. O Corinthians sempre queria montar esquadrões gigantescos – lembrou Wanner.

– O povo pedia e o nosso presidente Alfredo Inácio Trindade, que estava em seu começo de mandato, resolveu fazer dois amistosos com o Flamengo, contratar o Domingos e pagar através das rendas dos amistosos [...] era imponente, impunha respeito, técnico. Uma saída de bola boa, jogava com a cabeça erguida. Na minha seleção do Corinthians e do Brasil de todos os tempos é titular absoluto. Inquestionável – afirmou o historiador.

Acima da rivalidade

Se a história é o que importa para o comerciante de Taquaritinga, a taça foi levada por ele ao museu do Corinthians. Quem recebeu Ademir e a relíquia na capital paulista foi Wanner.

– É uma grande honra receber essa taça. Simboliza um jogo tão importante na história do Corinthians, além do grandioso confronto com o rubro-negro carioca. É uma honra muito grande. Acho que o Domingos da Guia, da onde ele estiver, vai ficar muito feliz em ver essa taça que simboliza a contratação dele, porque ele é flamenguista, mas aprendeu a amar o Corinthians.

– Ele absorveu a mística corintiana. Não ganhou nenhum título oficial. Quando o Corinthians voltou a ser campeão paulista, ele voltou para São Paulo para comemorar com os ex-companheiros dele.

Segundo Wanner, uma explicação para a sumiço do troféu está nas condições climáticas da época e da localização do Parque São Jorge, sede do Corinthians.

– O Corinthians perdeu muita coisa aqui. O Corinthians chegou aqui em 1926. O Rio Tietê formava um lago imenso. No verão, quando chovia, enchia muito. Tiveram enchentes nas décadas de 30 e 40 que provavelmente a gente possa ter perdido taças. É difícil você acusar as pessoas, de que levou ou não. É um mistério, porque muitas coisas se perdem ao longo do tempo. Essas taças de amistosos tinham valor simbólico, mas não era como uma taça oficial, de Paulista, Rio-São Paulo – afirmou.

Ademir e os funcionários do depósito em Taquaritinga até chegaram a se mobilizar para saber quem levou o saco de recicláveis para lá, mas sem sucesso.

– Não temos ideia de como parou aqui. Já pesquisamos, olhamos na câmera, e não descobrimos. Várias pessoas passam aqui. A gente não sabe quem trouxe – explicou o comerciante.

Para o historiador, não importa se quem levou a taça de volta ao Parque São Jorge é um palmeirense fanático. A atitude, na visão de Wanner, é um exemplo de que é possível fazer com que as torcidas convivam bem.

– As pessoas têm que se conscientizar que o futebol é uma ferramenta de paz, de confraternização e harmonia. No dia que todos tiverem essa consciência o mundo futebolístico vai voltar a ser o que já foi, um encontro de paz e amor. O futebol é um esporte. E esporte é uma ferramenta de inclusão social em primeiro lugar.

Fonte: ge